sexta-feira, 20 de novembro de 2015

CONSCIÊNCIA NEGRA, NECESSIDADE DE REPARAÇÃO HISTÓRICA



 
Professor Luizinho Aguiar
“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem ou por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender e, se podem aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar”
Nelson Mandela
 No dia 09 de janeiro de 2003 o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a Lei nº 10.639 que altera a Lei nº 9.394/96, Lei de Diretrizes e bases da Educação Nacional, incluindo nesta, mais três artigos que versam sobre a obrigatoriedade da inclusão do ensino da História da África e da Cultura Afro-brasileira nos currículos dos estabelecimentos públicos e particulares de ensino da Educação Básica. A lei também acrescenta que o dia 20 de novembro (considerado dia da morte de Zumbi) deverá ser incluído no calendário escolar como o dia nacional da consciência negra, fato que já é comemorado em quase todo o país.
Mas por que existe a necessidade de ter o dia da Consciência Negra? Para responder essa pergunta, mister se faz recorrer a nossa História. Na versão de alguns, teve início com aventureiros e navegadores portugueses que chegaram a uma terra da qual se consideraram descobridores. Embora essa terra já tivesse ocupada e tivesse seus donos, os portugueses anunciaram o seu descobrimento e dela tomaram posse, estendendo para além da Europa seus domínios.

Uma terra tão extensa poderia trazer-lhes grandes riquezas em termos de matérias-primas: minérios diversos, essências vegetais, fauna e flora desconhecidas etc. Mandaram cartas ao Rei de Portugal, relatando tudo que encontraram e viram. A natureza local, a terra, a gente que acharam muito diferentes. Segundo alguns deles, essa gente, a quem deram o nome coletivo de índios, era atrasada, andava nua, era canibal, praticavam sacrifícios humanos, não tinha religião, adorava os espíritos da natureza. Chegaram até a colocar em dúvida a natureza humana dos chamados índios.
Saber se esses recém-descobertos, os índios, eram bestas (animais, sem racionalidade e alma) ou seres humanos como os europeus, tornou-se grande motivo de especulações religiosas e científicas entre os séculos XV e XVII. Os estudiosos dessa época, grandes teólogos, vasculharam as bíblias e escrituras sagradas em busca dos argumentos a partir dos quais o papa Paulo III proclamou na bula Sublimis Deus que os índios também eram descendentes de Adão e, consequentemente, filhos de Deus, ou seja, seres humanos.
Mesmo tendo sido reconhecido a natureza humana dos índios, outro problema se colocava: eram humanos, mas diferentes dos europeus. Diferentes porque andavam nus, não cultuavam o mesmo Deus cristão, comiam e bebiam coisas inusitadas, tinham outras formas de organizações sociais e políticas, não tinham escrita, usavam técnicas variadas para explorar a natureza, consideradas pelos portugueses como muito rudimentares, entre outros aspectos. Somadas todas essas diferenças, eles foram considerados como inferiores com relação aos europeus. Além dessas diferenças que podemos resumir como diferenças culturais, pois vestimentas, religião, culinária, dança música, ciência, tecnologia constituem-se como componentes da cultura, havia outra diferença importante inscrita no corpo. A cor da pele e os traços morfológicos (nariz, lábios, formato da cabeça, queixo, textura do cabelo etc.) diferenciavam fisicamente índios e portugueses. Todas essas diferenças físicas e culturais constituíam na visão dos “descobridores portugueses”, as características fundamentais dos recém – descobertos, coletivamente denominados índios.
Como os portugueses sabiam que era impossível mudar as características físicas, começaram um processo de aculturação, denominado de Missão civilizadora. Por trás deste belo discurso, a verdadeira intenção era a dominação. Como os verdadeiros donos da terra, acostumados a viverem das riquezas da natureza, imaginamos nosso belo país há quinhentos anos, uma floresta intacta, boa água, rica fauna. Nossos irmãos nativos de acordo com importantes historiadores iam para o trabalho ainda pela madrugada e às dez horas da manhã já estavam de volta para viver a vida em liberdade, cantando dançando aproveitando o resto do dia. Não existia na sua cultura o fato de trabalhar para fazer excedente, a natureza lhes provia. Dentro dessas condições, não havia a menor possibilidade de aproveitar a mão de obra nativa. Foi então que não restando outra saída para os colonizadores dominadores recorreram a um procedimento chamado escravidão. Assim, abriu-se o caminho ao tráfico negreiro que trouxe ao Brasil milhões de africanos que aqui foram escravizados para fornecer a força de trabalho necessária ao desenvolvimento da colônia.
Seres livres em suas terras de origem, aqui foram despojados de sua humanidade através de um estatuto que fez deles apenas força animal de trabalho, coisas mercadorias ou objetos que podiam ser comprados e vendidos, fontes de riqueza para os traficantes (vendedores) em “máquinas animais” de trabalho para os compradores (senhores de engenhos). Foi este regime escravista que fez do Brasil uma espécie de sociedade dividida e organizada em duas partes desiguais (como uma sociedade de castas): uma parte formada por homens livres que, por coincidência histórica é branca, e a outra formada por homens e mulheres escravizados que também por coincidência histórica, é negra.
O tráfico negreiro é considerado, por sua amplitude e duração, como uma das maiores tragédias da história da humanidade. Ele durou séculos e tirou da África Subsaariana, milhões de homens e mulheres que foram arrancados de suas raízes e deportados para três continentes: Ásia, Europa e América, da qual o Brasil faz parte, sendo inclusive o último país do ocidente a abolir a escravidão em 1888. Quase quatro séculos após o envadimento.
A escravidão de quase quatrocentos anos, deixou sequelas irreparáveis para a sociedade brasileira, até porque por ocasião da libertação, os negros foram libertos em condições deploráveis, sem casa, sem comida e o pior de tudo sem instrução. Foram largados como objetos obsoletos imprestáveis. Sem saber o que fazer, sem rumo para tomar, foram buscar abrigos nos lugares que sobravam, os morros principalmente do Rio de Janeiro, capital do país na época, são esses contingentes de marginalizados que compuseram a paisagem dos despossuídos deste país.
De um tipo de relação social totalmente desfavorável, hoje os dados estatísticos de nossa sociedade coloca os negros e seus descendes em posição de inferioridade com relação à parte branca deste país. E é como consequência disso que é comum infelizmente manifestação de racismo, discriminação de toda ordem com nossos irmãos negros, componente importante de nossa sociedade. O racismo é um componente, uma ação resultante da aversão, por vezes de ódio, em relação a pessoas que possuem um pertencimento racial observável por meio de sinais, tais como cor de pele, tipo de cabelo, formato de olho etc. Ele é resultado da crença de que existem raças ou tipos humanos superiores e inferiores, a qual se tenta impor como única e verdadeira. Exemplo disso são as teorias raciais que serviram para justificar a escravidão, a exclusão dos negros e a discriminação racial. Para os Pesquisadores Edson Borges, Carlos Alberto Medeiros e Jaques D’ Adeski (2002) afirmam que o Racismo é um comportamento social que está presente na história da humanidade e que se expressa de duas formas interligadas: a individual e a institucional. Na forma individual o racismo manifesta-se por meio de atos discriminatórios cometidos por indivíduos, podendo atingir níveis extremos de violências, como agressões, destruição de bens ou propriedades e assassinatos. Um exemplo bem claro disso foi o regime Apartheid na África do Sul. No Brasil esse tipo de racismo também existe, mas geralmente é camuflado pelos meios de comunicação de massa e por alguns setores do Estado. A forma institucional do racismo, ainda segundo esses autores, implica práticas discriminatórias sistemáticas fomentadas pelo Estado ou com seu apoio indireto. Elas se manifestam sob a forma de isolamento dos negros em determinados bairros, escola e empregos. Infelizmente a história mostra muitos exemplos, como o que ocorreu na Alemanha nazista, Iugoslávia, Ruanda entre outros países.
É importante ressaltar que os negros não aceitaram passivamente a escravidão, embora livros e professores alienados tentem fazer perceber ao contrário. Foram várias forma de resistência negra durante o regime escravocrata. Insubmissão às regras do trabalho nas roças ou plantações onde trabalhavam os movimentos espontâneos de ocupação das terras disponíveis, revoltas, fugas, abandono das fazendas pelos escravos, assassinato de senhores e de suas famílias, abortos, quilombos, organizações religiosas, entre outras, foram algumas estratégias utilizadas pelos negros na sua luta contra a escravidão. O quilombo dos palmares, talvez tenha sido o mais forte foco de resistência. No início foram poucas pessoas, mas o número foi crescendo até tornarem-se uma comunidade de 30 mil aquilombados, entre homens mulheres e crianças. Os negros de Palmares estabeleceram o primeiro Estado livre nas terras da América, um Estado africano pela forma como foi pensado e organizado, tanto do ponto de vista político, quanto militar, sociocultural e econômico. Liderado por Zumbi, na verdade foi fundado um verdadeiro país negro, dentro de um país branco, é por isso que é muito justo que as organizações negras existentes em nosso país reivindiquem o dia 20 de novembro como o dia da Consciência negra.
Para mim particularmente o racismo é um produto da ignorância do homem, do desaprimoramento do caráter, da personalidade que não é capaz de refletir que todos os seres humanos têm as mesmas necessidades básicas. Esse etnocentrismo de sentimento de superioridade que uma cultura tem em relação às outras, nada mais é do que desumanização do homem resultado de sistemas de organização que tem como metas o enriquecimento, a ambição, isso leva a subjugação daqueles que tem na sua cultura uma forma de viver simples e internalizada cultura da paz. Porque como canta o grande representante do carimbó paraense Pinduca, o preto, o branco tudo acaba no buraco ou em cinzas que desaparecerão com o tempo.
A nós brasileiros só resta uma política de reparação para o componente negro de nossa população, algumas no âmbito institucional são importantes, ações afirmativas que visam oferecer de forma mais equânime as oportunidades aos negros, mestiços, os pobres de modo geral, como a política de cotas para o ingresso na universidade, o ProUni e outras medidas nesse sentido. A raça negra contribuiu muito para a formação antropológica de nosso povo, para o enriquecimento da cultura do país. Na música, dança, nas artes plásticas, culinária, religiosidade, no nosso vernáculo, enfim, nas mais diversas manifestações culturais têm a contribuição do negro. Como é bonita a cor negra, principalmente das nossas morenas, que embelezam as paisagens desse imenso país miscigenado.

REFERÊNCIA
MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma Lino. O Negro no Brasil de Hoje, Global - São Paulo, 2006.

Maués, 19 de novembro de 2015.    

Professor Luizinho Aguiar - formado em Ciência Política pela Universidade do Estado do Amazonas- UEA.

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