sexta-feira, 22 de julho de 2011

A Pedido, Reprise - O Julgamento do Homem do Chapéu Branco



*Por Aldemir Bentes de Maués
O local do julgamento era uma ampla sala com janelas de vidro e uma mesa ao centro. Em frente à mesa, os julgados ficavam sentados em uma cadeira sobre uma esteira rolante. À medida que o GRANDE JUIZ lia a vida terrena de cada um e em seguida proferia a sentença, a cadeira na qual estava o réu, se deslocava para a direita ou para a esquerda, dependendo da gravidade da acusação a ele atribuída. A cada acusação, se condenado, a cadeira se deslocava para a esquerda (inferno) e se absolvido, retroagia, seguindo em direção a porta que levava ao paraíso celeste, para o lado direito. Na porta do inferno, a transparência da entrada, mostrava um capiroto rindo raios de fogo e fumaça negra saindo de suas narinas. Na sala não havia advogados, nem de defesa, nem de acusação, muito menos testemunhas que pudessem confirmar ou desmentir as provas declaradas pelos réus. Na mesa, além do réu, somente o GRANDE JUIZ SUPREMO, o livro da vida e um anjo para auxiliá-lo.
Oposto a entrada ao inferno, a porta para o paraíso celeste mostrava uma ampla avenida cercada de flores, uma luz intensa vinda do alto iluminava o local e a paisagem mais branca que a neve, dominava o ambiente. Em toda sua extensão, até onde a vista podia alcançar, anjos voavam ou caminhavam em harmonia, sugerindo um ambiente de paz e alegria.
No lado de fora, a fila dos que seriam julgados. Um som potente anunciava o nome do réu e o convidava a entrar na sala.
Na fila de espera, havia todas as espécies de seres humanos, pobres, ricos, negros, brancos, religiosos, ateus, honestos, desonestos, corruptos, bajuladores, perseguidores, canalhas, safados, ladrões do dinheiro público, falsos pastores, homens, mulheres. A ansiedade e o cochichar na fila era geral, mas o medo do desconhecido era terrível ainda mais, assim, nenhum deles sabia o que poderia encontrar após adentrarem aquela estreita porta.
Diante da aflição que atingia a todos, o potente som, convoca, “favor se dirigir à porta de entrada para ser julgado, o homem que recentemente começou a usar um chapéu branco desde o evento do Flifloresta 2010 realizado em seu município, favor deixar o chapéu e sua pavulagem no lado de fora”. Os cochichos aumentaram. Seus puxa sacos, um radialista, dava tapinhas na costa e o encorajava, “faça como vimos fazendo nos últimos três anos”. Um ex prefeito, o ameaçava, “não abre o bico, cuidado para não nos comprometer, posso até negar que você foi meu vice”. Um presidente da Câmara de Vereadores, que foi acusado de descontar dos servidores da casa, parcelas de empréstimos consignados e não repassar para o Banco, eleito nas últimas eleições com os votos dos Saterés-Mawé, bancado pelo réu, aconselhava, “tenha calma, tudo dará certo como deu até hoje”. Um vereador pastor, também seu amigo, falava, “use o nome do poderoso em todas as suas falas, assim, o GRANDE JUIZ poderá ter compaixão de vós” e, descaradamente, o abençoava, ao mesmo tempo o alertava, “nunca diga que me financiou, se falar, nego tudo”, Uma lora falsa lipospirada, o consolava, “mantenha o olhar para baixo, não encare o supremo, faça essa cara de trouxa como tem feito durante todo esse tempo, ao falar, haja igual quando está dando entrevista nas rádios locais. Uma assanhadinha, também lipospirada, dizia, “estamos no poder e vamos continuar” e perguntava, posso mandar soltar os foguetes?
O agora humilde ex homem do chapéu branco, cuja pele empalideceu, começou a suar e se lembrar de seu tempo de pobre. Tempo no qual viveu com honra e dignidade, trabalhando desde criança para ajudar sua bondosa mãe. Vendia guloseimas nas ruas de Maués, ajudava sua mãe na banca de churrasco, estudava e defendia a “liberdade”, a oportunidade para todos. Lembrava de seu tempo de funcionário da Câmara Municipal, do tempo que trabalhou no Ponto Chic, onde era um simples funcionário. Em oração, pedia perdão de tudo de errado que fez e lembrava naquele momento, últimos segundos no qual poderia se lembrar e refletir sobre sua vida. A lembrança de sua bondosa mãe, de seu bom exemplo de vida, da vida no interior matando carapanã e levando ferroada de mutuca, a chegada na cidade, um pouco matuto, mas já audacioso para vencer na vida. Lembrava dos irmãos e principalmente de seu irmão que ficou deficiente o qual sequer evidenciou esforço para tratá-lo quando deteve o poder em suas mãos e olha que foram anos...
Quando pensava seus últimos pensamentos, a voz, com tom mais forte o convocou sob pena de não ter chance ao julgamento que estava prestes a acontecer e assim, ele entrou na sala e foi colocado na cadeira da VERDADE.
No lado oposto ao réu, sentado em frente à mesa, o GRANDE JUIZ que naquele instante, começou a abrir e folhear o Livro da Vida, auxiliado pelo anjo. No silencio da grande sala, o réu foi advertido pelo SUPREMO JUIZ que ali, naquele tribunal, somente a VERDADE era permitida. Mentiras, encenações, pavulagens, arrogâncias, egoísmos, falta de humildade, contavam a desfavor do réu.
Com os olhos brilhantes e firmes, a voz suave do SER SUPREMO começou por narrar a folha corrida da vida do réu na terra. Meu filho, você foi um bom garoto, bom filho, bom amigo até você se meter na política. No início até, você primou pela moral e dignidade ao ser humano, mas aos poucos, o seu ego foi se inflando e seus valores morais deram lugar aos desvios da vida, coisas condenadas pela ética e bons costumes.
Consta aqui no livro da vida, que você trabalhou na Câmara Municipal de sua cidade. Que você foi vice prefeito e depois prefeito, inclusive, se reelegendo. Diante da narrativa do SUPREMO, o réu confirmou balançando a cabeça afirmativamente. Por quê? prosseguiu o SUPREMO, você inventou um Programa chamado Renda Cidadã? Foi para ajudar as pessoas carentes e necessitadas do meu município, respondeu com orgulho o réu. Mas, segundo investigações de meus anjos, aqueles que penetram no pensamento de todos os homens da terra, afirmam que os objetivos eram outros. Na verdade era uma forma de humilhação para seus humildes irmãos, uma maneira de torná-los dependentes de suas vontades, principalmente, ganhar eleições através das desgraças destes. Assim, meu filho, o condeno por esta ação, pois ela estava apenas transvestida de boas intenções, a Vossa cadeira se deslocará três metros para a esquerda.
Nesse instante, a cadeira do réu começa a se deslocar para o lado do inferno, momento em que pôde se perceber o sorriso do capiroto na parte externa da porta que ficava a 50 metros do centro da mesa de julgamento.
Segundo relatórios, você meu filho, recebeu recursos para construir o aterro sanitário, o porto fluvial, a orla fluvial, o prédio da inclusão digital, o esgotamento sanitário, mas não permitiu que algumas dessas obras fossem concluídas e as que foram concluídas, deixaram muito a desejar, devido ao demorado tempo de conclusão e pela má qualidade da obra. Enquanto você atrasava as obras ou não as concluía, o lixão da cidade tomava conta da estrada do Maués Miri, poluindo todos os igarapés ao seu redor. Por estes atos que prejudicaram muitos moradores de sua cidade, eu o condeno a 25 metros de deslocamento no sentido à esquerda. Agora já eram 3+ 25 = 28 metros, faltavam 22 metros para a entrada no inferno. Foi ai que o réu tomou consciência de que não estava na terra, onde poderia usar o dinheiro e o poder para subornar decisões e assim, ficar impune e até zombando das pessoas.
Continuou o SUPREMO, você, nos dois anos como prefeito eleito pelo seu povo, não teve a preocupação de pagar salários dignos aos professores, de construir creche para as crianças, de evitar a poluição na obra da orla da cidade. Você usou a mídia para veicular propagandas enganosas, tentando confundir a população, assim, eu o condeno ao deslocamento à esquerda de mais 15 metros. A soma em desfavor do réu agora era de 43, perto do inferno, apenas 7 metros.
Você nunca se dispôs a ajudar a Igreja de sua cidade que está em reforma, ao contrário, você permitiu que a Igreja sofresse ameaça de cobrança de impostos em níveis elevados. Por este seu ato insensato, eu o condeno a 5 metros à esquerda. O frio atingiu sua barriga, pois agora, os metros ao seu desfavor já somavam 48 metros, apenas 2 metros o separavam da entrada do inferno e ele já imaginava sendo recebido pelo capiroto e seus auxiliares.
Consta ainda, falou o SUPREMO, que você só vive viajando, que praticamente você já mora em Manaus, onde está estudando Direito, entretanto, à revelia, de suas responsabilidades de chefe do executivo. Consta ainda, a distribuição de títulos definitivos que não têm valor jurídico e mais, está perseguindo, tentando transferir para outros, terrenos, cujos proprietários detêm sua legitimidade através de documentos autênticos, mesmo assim, você tenta perseguí-los, principalmente se esses proprietários forem seus adversários políticos. Por essas arbitrariedades, eu o condeno a 1,5m para o lado esquerdo. Agora a soma já atingia 49,95 metros, apenas 0,50 cm o separavam da entrada do inferno. Ele já visualizava o capiroto e podia ver um ônibus todo velho, com cadeira de madeira, sem placa, sujo, igual aos ônibus que ele utilizava para conduzir os alunos da zona rural de Maués, era naquele ônibus caindo aos pedaços que ele seria conduzido, diferente do seu carrão com ar refrigerado e do avião que ele estava acostumado a dar vôos rasantes por cima da ilha no Rio Maués Açu e dos aviões fretados para conduzir os amigos de sua corte, pagando fretes caros em detrimento de ajudar os catadores de lixo, os dependentes do Renda Cidadã, os agricultores, os funcionários municipais, os aposentados, os demitidos por pura perseguição, os.....
Mas a generosidade do PODEROSO falou mais alto e com um tom de voz de pai amigo, piedoso e misericordioso, leu o veredicto final. “Meu filho, apesar de você ter praticado muitas irregularidades que contribuíram para o sofrimento de muita gente e fez você se tornar um homem frio, insensato, calculista e ambicioso, você é um homem bom. Basta você reconhecer seus erros e começar a reverter essa situação, pois ainda faltam dois anos de mandato. Faça desses dois anos que lhe restam (se a justiça dos homens deixar), o que você não fez em quatro, três. Use o seu poder e influência em prol dos mais humildes, use os recursos nos fins aos quais foram destinados”.
Desta forma, vou lhe dar uma chance, “volte à vida terrestre e comece logo a praticar o bem, se afaste das más companhias, nunca mais permita que centenas de fogos de artifício sejam detonados durante sua fala no rádio, afaste os puxa sacos, controle seu ego e suas ambições materiais e termine as obras que estão há muito tempo sem utilização em benefício do povo”.
Zap, zap, e o homem do chapéu branco, Antonio pavulagem II voltou à vida terrestre. Foi uma chance para ele reverter sua situação perante o JUIZ SUPREMO, Deus, que sabe da vida de todos nós. Vale à pena recomeçar....

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*Aldemir Bentes é filho de Maués, Escritor, Formado em Letras pela UEA – Núcleo de Maués – Maués-AM, 13/08/2010 – sexta-feira (TREZE) - de 19:04: às 22:05.

Um comentário:

  1. adorei a matéria so nao gostei da sentença final. Sera que tenho de esperar muito tempo para ve outro julgamento? ufa!!!!!

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